O Pão de Abelha Serrano

Autor : ana
Data : Jan 09, 2020
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Na transição entre o Norte e o Centro de Portugal, o coberto vegetal da serra da Estrela é formado por um mosaico de bosques, matos e prados diversos. Estes habitats albergam cerca de 650 espécies de plantas nativas adaptadas ao clima e substracto locais. Uma diversidade elevada tendo em conta que em Portugal Continental estão identificadas cerca de 2 900 espécies nativas.

Desta fitodiversidade dependem as abelhas melíferas para sobreviver. Por outro lado é, também, devido à acção polinizadora destes e de outros insectos que a biodiversidade prospera e é tão elevada. Da interacção entre estes organismos depende, por sua vez, o equilíbrio ecológico dos habitats naturais e de outros meios criados e mantidos pelo homem, desde há milhares de anos, com a descoberta da agricultura. Esta “simbiose” é fundamental, não só, para a conservação dos recursos naturais mas também para a sobrevivência da espécie humana.

A flora apícola é o conjunto de plantas que suscita o interesse das abelhas e da qual obtêm recursos vitais para sobreviver. Sob esta designação cabem, nesta região, muitas dezenas de plantas. A flora com aptidão apícola é aquela que garante um efectivo elevado em cada colónia, boas provisões de pólen e de mel (pão de abelha) para as abelhas e uma boa colheita de mel pra o apicultor, assegurando a continuidade da colónia durante o Inverno, período de maior inactividade das abelhas e quase inexistência de recursos.

Um conjunto de características das flores determina o interesse forrageiro por parte das abelhas: arquitectura, forma, tamanho e cor das flores, presença e disponibilidade de néctar e/ou pólen e abundância local.

Nem todas as flores produzem néctar e este varia em quantidade e qualidade entre espécies, entre indivíduos da mesma espécie, entre áreas geográficas, ao longo do tempo e do período de floração. Este comportamento é função, entre outros factores, do clima, exposição solar e tipo de solo. Neste território as plantas de maior interesse apícola florescem entre Abril e Junho apresentando, algumas, um padrão de floração explosivo como a soagem (Echium plantagineum) e outras, mais gradual, em função da meteorologia anual (precipitação e temperatura), horas de luz e variação altitudinal, como as urzes. A mesma espécie de urze, e.g. Erica australis, pode colonizar áreas desde os 300 e os 1 900 m de altitude e apresentar um período de floração prolongado.

Conhecer a flora de um território e o seu “calendário” permite, ao apicultor, programar as tarefas anuais no apiário de modo a maximizar a produção ou reduzir prejuízos face a eventos estocásticos.

Apresentam-se a seguir algumas das espécies com mais interesse apícola nesta região serrana.
 

Medronheiro (Arbutus unedo)

O medronheiro pertence a uma das famílias de plantas com particular interesse apícola, a família das Ericaceae, que inclui as urzes. Ao apresentar uma floração tardia, no final do Outono, e boa produção de néctar, constitui um recurso excelente para as abelhas, num período em que prevalece a escassez de plantas em floração. O mel de medronheiro é negro e de travo muito forte e amargo.
 

Torga/margoriça (Caluna vulgaris)

Tal como o medronheiro pertence à família das Ericaceae. A torga é a última das urzes a florir na serra, já em pleno estio. A floração tardia aporta néctar em quantidade e qualidade para restabelecer as provisões da colónia para o Inverno. O mel é contudo muito espesso e de difícil extracção das ceras mas muito valorizado no mercado britânico.
 

Urzes (Erica sp)

As urzes estão representadas por oito espécies neste território e a sua floração estende-se ao longo de quase todo o ano. Umas apresentam floração temporã, urze de flores brancas (Erica lusitanica) e, outras, serôdia como por exemplo a queiró (Erica cinerea). São plantas de montanha tendo na urgueira (Erica australis) e na carrasca (Erica umbellata) as principais espécies melíferas do território. Conferem ao mel uma tonalidade âmbar, escura e avermelhada, aroma e travo intenso e persistente.
 

Estevas e sargaços (Cistus sp. Halimium sp.)

A esteva é uma planta de floração temporã, característica das áreas mais térmicas deste território, onde antes proliferavam azinhais e sobreirais. A esteva e as várias espécies de sargaços, arbustos da família das Cistaceae, formam matagais e providenciam exclusivamente pólen. São plantas muito importantes para a constituição de reservas alimentícias para as abelhas.
 

Soagem (Echium plantagineum)

Planta da família das Boraginaceae apresenta floração intensa, mais pronunciada entre Abril e Maio, que cobre áreas extensas de prados e pastagens. Com flores azuis-violeta, de forma tubular, possui pólen e néctar em abundância e constitui uma percentagem importante dos méis multiflorais da região.
 

Giestas (Cytisus sp.)

Nesta região ocorrem várias espécies de giestas que colonizam áreas extensas em locais anteriormente ocupados por soutos e carvalhais. Da família Fabaceae, vulgarmente conhecida como leguminosas, apresentam, regra geral, muitas flores que providenciam pólen em quantidade razoável, em particular a giesta-branca (Cytisus multiflorus).
 

Rosmaninhos (Lavandula sp.)

Na serra da Estrela existem duas espécies de rosmaninhos. Um característico de zonas mais térmicas, rosmaninho-menor (Lavandula luisierii) e outra mais cosmopolita, o rosmaninho-maior (Lavandula pedunculata). Da família das Lamiaceae, estes arbustos, apresentam flores azuis muito pequenas mas abundantes, reunidas em espigas, que providenciam quantidades apreciáveis de néctar. O mel é doce e aromático e de tonalidade âmbar. Rosmaninhos e urzes estão entre as plantas melíferas de excelência desta região.
 

Carvalhos, sobreiros, azinheira e castanheiro (Quercus sp. e Castanea sativa)

Estas árvores possuem uma floração intensa e com flores muito abundantes. Contribuem em grande medida para as reservas polínicas das colónias de abelhas. Nestas plantas as abelhas procuram avidamente, no Verão, aquilo a que se denomina melada, um líquido açucarado. Esta secreção pegajosa resulta da perfuração das bolotas provocada por um pulgão (insecto). As abelhas com o seu aparelho bucal libam este líquido que dá origem a um “mel” de cor muito escura e sabor ácido. Nos anos em que a quantidade de melada é elevada, as segundas colheitas são mais generosas. A melada ou mel do bosque é muito apreciada no centro da Europa.
 

Rosáceas

As plantas espontâneas e cultivadas da família das Rosaceae como as silvas (Rubus sp) e o pilriteiro (Crataegus monogyna), ou árvores fruteiras como as cerejeiras, macieiras, pereiras, etc são excelentes fornecedoras de néctar e pólen. As abelhas são polinizadores fundamentais destas plantas cultivadas.
 

Entre as espécies exóticas refere-se o eucalipto (Eucalyptus globulus). Árvore originária da Austrália utilizada principalmente na produção de pasta de papel. Produz quantidades apreciáveis de néctar e pólen no final do Inverno. No entanto os prejuízos provocados a outro nível deveriam levar ao abandono ou ao controlo apertado do cultivo desta espécie.

O “pão de abelha” é a reserva nutritiva das abelhas. Originado a partir do pólen colectado nas flores, transportado para a colmeia e depositado nos favos, ao qual as abelhas adicionam mel e enzimas digestivas para garantir uma conservação melhor e mais duradora. Este cocktail multivitamínico e antioxidante é a poção mágica que permite, a estes seres maravilhosos, desempenharem o seu trabalho em prol do equilíbrio ecológico do Planeta e, ao mesmo tempo, partilharem graciosamente com a nossa espécie vários recursos da colmeia como o mel, o pólen, a geleia real, o própolis entre outros. O pão de abelha serrano é assim o resultado da rica e diversificada flora deste território.