Podem os bancos ser salvadores da crise? - Por #Joaquim Marques

Autor : ana
Data : Jul 06, 2020

É um erro grave pensarmos que quando nos ocorre um problema, existirão sempre outros que deverão assumir a responsabilidade de o resolver. Em alturas de crise mais ainda. Nunca fui adepto de se passarem culpas indevidas, ou desculpas fortuitas, no ataque aos problemas. Muitas vezes, parece até, que a prioridade é encontrar um culpado. E se existe um culpado tudo o resto está ilibado. Tudo o resto está bem.
Dito de outra forma, se tudo o resto está bem, já todos podem ir para a mesa do café praticar o desporto nacional número um: falar mal de tudo o que mexe. Falta fazer a pergunta: então e eles? que autocritica? que contributo para a crise? É fácil colocarmo-nos numa zona de conforto. Logo, fora do epicentro dos problemas. Risco zero, contribuição zero! Pergunto ainda, existirá maior contributo para a inação? Não existe.
Estamos num tempo disruptivo. E perante uma economia em disrupção, temos que ser inovadores disruptivos, também. Melhores ideias! E só teremos melhores ideias se assumirmos os problemas de frente. Se não passarmos culpas. Se não esperarmos que alguém resolva por nós.

Vem isto a propósito da ajuda dos bancos. Ouvi e registei um desejo amplamente repetido: «desta vez os bancos têm que ajudar na crise»; ou então «os bancos não podem ter lucros».
Fico um pouco estupefacto quando se determina por decreto o lucro que uma empresa ou instituição privada deve ter! Mais perplexo, ainda, quando o mesmo desejo reúne um consenso alargado. Quer do Presidente da República, passando pelo Primeiro Ministro e até pelo líder da oposição. Os três tem estado à altura desta crise e de uma forma amplamente reconhecida e justa. Têm lidado a crise com serenidade e autoridade. E com muita mestria. Mas aqui vou ser critico, em relação a este desvario, pela via dos bancos. Obviamente que soa bem, hoje, na opinião publica “bater” nos bancos! Reúne muitos adeptos e de imediato. Só que o efeito desta mensagem é praticamente nulo. Pior, vai retirar o real foco desta crise e vai criar frustrações quando a realidade vier ao de cima! Vai originar um clima de desculpas para muitos outros setores de atividade: «se os bancos não contribuem, porque se devem preocupar os outros setores?»
E faz-me muita confusão que ninguém diga isto.

Comecemos pelos lucros. Apetece perguntar: quais lucros? quais bancos?
Seria difícil de entender que no pós crise de 2009 os bancos voltassem a cometer os mesmos erros. Isto é, conceder créditos sem as mínimas garantias. Investir em ativos tóxicos. Promover produtos financeiros especulativos em forma de pirâmide. Ora, este seria o caminho para uma nova bolha, ou crise do subprime. Então, o menos desejável hoje é que os bancos voltem á situação onde estavam. Em vez disso, queremos que os bancos façam o seu trabalho nesta crise. Explico.

Existe um trabalho muito meritório, nos últimos anos, de alguns dos bancos. Todos passaram por problemas graves. Mas alguns recuperaram. Já pagaram na integra as ajudas do estado. Isto conseguiu-se com mérito e competência. Destaco, desde logo o BCP. Ganhou em toda a linha. Nos ratios financeiros, mas também no nível de independência em relação ao estado. Destaco ainda o banco publico (CGD), pela ação do competentíssimo Paulo Macedo.
Todos os outros, lutam ainda, pela sobrevivência. É o caso do Montepio. Outros com maioria de capital espanhol, terão outras prioridades como a gravíssima crise que se antevê em Espanha. É o caso do Santander e do BPI. Outros bancos estão a contas com a justiça: BIC de Isabel dos Santos, por exemplo! E depois existe o Novo Banco. Este parece não sair da cepa torta! As imparidades parecem não ter fim. O estado nada mais faz que injetar dinheiro. É chocante o que aconteceu nos últimos dias. Ou seja, em plena crise, a injeção de 850 milhões de euros! Ainda por cima estas injeções contam como capital. O que leva ao comprimento “virtual” dos ratios de capital, uma vez que estão garantidos pelo estado. É verdade que isto foi acordado com o BCE em 2017. É verdade que este acordo único e brutalmente generoso permite pagar prejuízos futuros. Tudo isto estava acordado e no orçamento de estado, é certo, mas o primeiro ministro não podia ter-se esquecido. Pois o povo não vai perceber outra coisa que o chavão instituído: «para os bancos há sempre dinheiro”. Não entenderá nunca, muito menos numa altura de cortes em que o dinheiro não chega ás famílias.
“Bottom line”: a situação dos bancos melhorou, com muito mérito de quem gere, mas está longe de ser prospera, mais ainda com uma crise económica a bater á porta. Será muito prematuro pensar que os bancos vão viver um género de oásis com esta crise. Os riscos são significativos. O que esperamos, dos bancos é que eles não se tornem à posterior um peso adicional para o contribuinte. Essa já é uma ajuda! Por isso, julgo demagógico ou desconectado este unanimismo político e na sociedade, que são os bancos que vão resolver todos os problemas.
É neste contexto que temos que discutir o papel do sistema financeiro. É aqui que os bancos terão que se diferenciar. Essa diferenciação passa pela capacidade de liquidez das empresas, que permita honrar os compromissos. Nesta fase os bancos não devem emprestar com grau elevado de não comprimento das empresas. Devem procurar colaborar na sobrevivência das empresas, mantendo o emprego, mas sempre na esperança da continuidade do negócio pós-crise. Se o negócio tiver viabilidade através do relançamento da atividade económica, pós surto, existe uma vantagem: a capacidade instalada das empresas já existe. Não requer investimento adicional. Assim, num futuro próximo podem ganhar as empresas, e ganham os bancos que lhes emprestaram dinheiro - pois geram margens operacionais e não imparidades.

É também comum referenciar-se que o estado ajudou os bancos para salvar banqueiros e acionistas. Se fosse tão simples, seria ingénuo por parte dos governantes. Sabemos o impacto, destas ajudas a bancos, na opinião publica. Se é estrondosamente nefasto para os políticos, porque estes o deveriam fazer?
O estado ou políticos não o fazem para ajudar acionistas, até porque o valor das ações é zero quando um banco entra em insolvência. A seguir são os obrigacionistas os sacrificados, que quanto muito recebem umas migalhas no processo de insolvência. Sejamos claros aqui. O estado ajudou os bancos, para evitar o efeito dominó de falências. O efeito sistémico em outros bancos. E, desde logo mais importante, o estado ajuda os bancos para garantir as poupanças e os depósitos das pessoas. Basta nos lembrarmos o quanto a Alemanha se preocupava com os bancos Gregos, na eventual saída do euro em 2011. Apesar dos bancos gregos representarem 2% do sistema financeiro europeu, a Alemanha receava e bem um ajustamento severo nos bancos alemães, pelo efeito alavancagem. Estes eram detentores de divida dos bancos gregos, assim como o Banco Central Europeu.
Mas se mesmo assim persistirem duvidas, basta lembrar o colapso da Lehmon Brothers na crise do subprime em 2009. A Reserva Federal deixou cair o quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos. E todos agora consideram que este foi o rastilho para a crise global. Foi o maior dos erros. O Barclays e o Bank of America tentaram a sua compra, mas não aconteceu pela ausência da ajuda federal. Logo caiu. Logo todo o mercado foi incendiado, e não existiu maior sinal, para a disrupção da economia global. Além disso outra questão se colocou: porque caiu a Lemon Brothers e não outros gigantes como a seguradora AIG ? Porque é que esta foi salva pela FED? Hoje todos os dizem, a queda do LB foi o maior equívoco da reserva federal no ataque à crise. Não venceu a máxima “ to big to fail”. O subprime, explica-se pela facilidade com que os bancos concederam créditos a pessoas que não estavam em condições de os pagar. Logo estes empréstimos implodiram pela queda dos preços da habitação. As pessoas perderam os empregos, deixaram de pagar aos bancos, e os credores afundaram. O problema de deixar cair o banco, não eram os acionistas, pois também aqui eles, perderam todo o valor investido. O efeito contágio, não tem a ver com acionistas ou obrigacionistas. O efeito contágio tem a ver com a ligação a outros bancos e todo o sistema financeiro! O efeito contágio da LB, tinha a ver com os fundos de pensões, tinha a ver com imparidades de 691 biliões dólares, com 25 mil empregados diretos, e tinha a ver principalmente com confiança para o todo o sistema financeiro! Esta falta de confiança levou ao pânico. E todos os depositantes na altura, se dirigiram aos seus bancos para levantar os depósitos. Esta é a rutura anunciada. Como sabemos, a liquidez dos depósitos não existe, pois os bancos concedem sobre a forma de credito, os depósitos dos depositantes. Se as autoridades da altura não tivessem limitado os levantamentos a 250 mil dólares, o planeta tinha parado.

Faz-me por isso alguma estranheza este unanimismo político de a banca ajudar esta crise com os supostos lucros! Os bancos vão ter um papel relevante nos empréstimos às empresas, mas através das linhas com garantias do estado. São linhas de crédito. Logo terão que ser reembolsáveis e não a fundo perdido! Logo créditos que se não forem pagos será o estado a assumi-los. Dito de outra forma, também aqui é o contribuinte que pode ser chamado a pagar, se os créditos concedidos pelos bancos com aval do estado não forem á posterior pagos pelas famílias ou empresas. A maior fatia será sempre assumida pelo estado. Os bancos incorporam apenas uma pequena parcela das perdas. Mas se se confirmar uma contração significativa da economia, essas “muitas” pequenas perdas poderão traduzir-se em valores absolutos significativos. Logo uma forte correção para os bancos, também. Isto poderá induzir numa espécie de recapitalização contingente por conta de eventuais imparidades.
É obvio qua a banca tem uma dupla vantagem nesta crise. A primeira é o custo de financiamento da própria banca (abaixo de 1%). Isto porque se vai financiar através dos programas do BCE, a uma taxa muito competitiva, financiando depois as empresas a uma taxa de juro superior. A segunda vantagem são as garantias do estado (90% dos créditos). Sendo assim, é este um bom negócio para a banca? Sim. Mas aqui acresce um outro problema: não pela via dos novos créditos de ataque á crise, mas dos créditos já concedidos antes da crise. Concedidos até Março de 2010. Estes poderão rapidamente se transformar em incobráveis. E se o PIB encolher 8 pontos percentuais, as falências e o emprego vão disparar, e as imparidades dos bancos vão ter que ser contabilizadas – traduzindo enormes perdas e prejuízos. Isto porque os créditos concedidos antes da crise não têm o aval do estado. A seguir sabemos as consequências: virão os downgrades das agências de notação financeira, que colocará mais pressão ao financiamento dos próprio bancos, e com juros acrescidos.
O que está fundamentalmente em causa é uma linha de financiamento de três mil milhões de euros. Pode chegar a cinco mil milhões. Prevê-se que este dinheiro seja disponibilizado a um spread de 1% a 1,5%. Os bancos incrementam uma comissão de garantia de cerca de 1%, mais um acréscimo de 0,5% de comissão de gestão do dossiê. Isto quer dizer que os encargos totais de financiamento ascendem a 3%. Como referenciei 90% deste financiamento tem as garantias do estado, com um período de carência de um ano.

O que é que isto quer dizer para as empresas e famílias?
Primeiro, que não existem montantes a fundo perdido. Segundo, que a taxa de juro total de 3% é, todavia, significativa. Logo as empresas têm que devolver o dinheiro das linhas de crédito a um custo acrescido de 3%. A incógnita aqui é: quais as empresas que o poderão fazer, dada o forte ajustamento previsível na economia.
O que é que isto quer dizer para os bancos?
Primeiro, que terão um risco de incumprimento de 10% do financiamento dos empréstimos às empresas e famílias (o resto é garantido pelo estado). Segundo, que a receita cobrada vai entre 1% a 1,5%. Em condições normais ou estáveis, aparentemente este é um razoável negócio para os bancos. Pois os bancos nunca antes tiveram a “oportunidade” de contabilizar apenas 10% dos eventuais créditos incobráveis. A questão volta a ser mesma: qual o nível de incumprimento das empresas e famílias, no pós crise? Qual o número de falências? Qual a taxa de desemprego? As empresas pararam a sua atividade, e algumas não a retomarão. De aqui resultará o risco das linhas de crédito (90% para o estado e 10% para os bancos)

Outra questão que se coloca é se os 3 Mil milhões de euros são suficientes. Poderemos estabelecer aqui uma ordem de grandeza com a riqueza criada no nosso País (200 mil milhões de euros). Se o Produto Interno Bruto (PIB) cair 8% (conforme última previsão do FMI), significará um valor anualizado em termos absolutos de 16 mil milhões de euros, de riqueza perdida. Ora, os 3 mil milhões das linhas de crédito poderão ser insuficientes. A banca vai ultra financiar economia, nesta crise! É este o mecanismo único via estados e BCE. O que se correr bem traz valor acrescentado para os bancos. Mas pode assim não ser! Isto pelo risco de terem de transformar créditos em incumprimento e/ou restruturação.

“Back to basics”: os bancos são instituições que compram dinheiro para emprestar dinheiro! E compram dinheiro a um determinado preço. Depois acrescentam outros custos como salários, consumíveis, ou funcionamento das estruturas físicas. Estes são os custos previsíveis no forecast dos bancos. Mas não é o seu principal custo. O principal custo é o risco de crédito. De incumprimento das empresas em honrarem os seus compromissos e contratos. Da contabilização das imparidades. Aqui reside ou não o talento dos bancos. No sucesso da avaliação do risco. Vejamos que nesta fase os bancos se vão financiar com taxas muito baixas, pelo que poderá originar uma margem operacional interessante. Mas que facilmente pode ser anulada pelo risco de incumprimento, adjacente a esta crise. Esta avaliação do risco das empresas é decisivo. A perceção de risco, será o fator diferenciador entre os bons e os maus bancos.
As empresas financiam-se pelos seus capitais próprios, (através dos resultados transitados, do capital dos seus sócios, e de outras reservas) e pelos capitais alheios(empréstimos contraídos). Esta é a digrafia contabilística: as empresas financiam os seus ativos , através do passivo e capitais próprios. Aqui assume relevância o fundo de maneio ou o equilíbrio de tesouraria. Ou seja, as necessidades de tesouraria a curto prazo: o que se paga a pronto (salários, impostos, rendas..), mais as variações de inventários, mais o que se paga a fornecedores versus as contas a receber de clientes. É esta perceção que deve ser objeto de avaliação por parte dos bancos. Não só a situação atual, mas mais importante ainda os bancos serem capaz de fazer uma estimativa para o futuro, com vários cenários e “sensitive cases” de cenários macroeconómicos.
Este é para mim o core business dos bancos! Os bancos não têm só a função de emprestar dinheiro, mas principalmente analisar os riscos inerentes à atividade económica. A decisão de crédito, não é saber quanto dinheiro a empresa precisa, mas sim saber se após a fase de investimento e estabilidade da sua tesouraria, saber se o investimento é economicamente viável.
Este é o maior contributo dos bancos para a crise! Não é partilharem lucros que dificilmente terão, mas sim não cometerem os erros do passado que bem caro custaram a todos.
Os bancos não vão salvar a crise! O contributo maior dos bancos é não contribuírem para agravar a crise. Isto é muito relevante! Para além da pandemia está já confirmada uma crise económica, com uma contração em todas as economias do planeta. Mas não está confirmada, para já, nenhuma crise financeira.

Critiquei a veleidade com que os políticos olharam para os bancos. Mas vou deixar aqui uma mensagem pela positiva. A Economia está a ter e vai ter uma travagem brusca em 2020, mas logo a seguir começa a recuperar. Vejo dois fatores que explicam este outlook favorável para 2021.
Primeiro fator é que estamos perante uma crise económica e não financeira. Isto é, se o choque económico passar para o sector financeiro a depressão pode ser prolongada! Se isso não acontecer (uma crise financeira), a recuperação económica pode ser rápida.
Segundo, esta é uma crise conjuntural e não uma crise estrutural. A economia em janeiro de 2020 não estava doente. Isto pode fazer toda a diferença. A economia foi forçada a parar por uma ocorrência externa e não controlável. Um problema de saúde publica, e não um problema na saúde da própria economia. Não rebentou nenhuma bolha. Quer nos mercados financeiros, quer em qualquer outro setor de atividade. Tudo ao contrário. Estávamos a assistir a um ciclo notável de expansão económica. A economia apresentava solidez e uma performance assinável. Julgo, assim, que se não entrarmos numa crise financeira, poderemos estar em Dez 2021 onde estávamos em Fevereiro de 2020. Se assim for, é porque os bancos tiveram muito mérito. Este é o papel decisivo dos bancos!
Seria antagónica a qualquer teoria económica se pensássemos que se perante a eventual maior recessão económica da história, a banca tivesse uma oportunidade de prosperar. De ter lucros. É ao contrário! A economia vai encolher, os bancos vão reduzir a sua atividade económica. E o que aumenta são os riscos e as imparidades. Até porque, mesmo com o grosso das garantias do estado, alguns bancos já estão a contabilizar estas imparidades de acordo com as normas contabilísticas.
Assim a banca terá um enorme contributo se não cometer os erros de um passado recente.

A primeira divida da banca à sociedade é devolver bancos bem geridos. Com primazia à avaliação do risco. Bancos com ratios de capital sólidos. Capitalizados. E que evitem a intervenção dos estado! Não existirá melhor contributo que este. Isto é, que os bancos não brindem o contribuinte com uma fatura acrescida para pagar. Assim todos nós, contribuintes, estaremos gratos.

Joaquim Marques