Um solavanco não nos deitará abaixo! - Por #Valentino Cunha

Autor : ana
Data : Jun 15, 2020

Este é um daqueles momentos da vida que leremos mais tarde nos livros de história, de economia, de saúde pública, de política, de relações internacionais. Enfim, é daqueles momentos que nos alterará o caminho enquanto sociedade. Não é mais uma crise económica – embora ela já cá esteja - não será mais um período de desemprego – e ele é evitável – nem será tão só uma mudança passageira de hábitos. Por mais que queiramos o COVID-19 atacou-nos naquilo onde somos mais vulneráveis: no sentimento. Atacou-nos na possibilidade de abraçar avós, pais e netos; atacou-nos ao impedir uma cerveja com os amigos; atacou-nos ao afastar o aperto de mão, o beijinho, o convívio, a alegria de estarmos todos juntos. Sentimos hoje saudade dos apertos dentro dos autocarros, das festas das nossas aldeias, da sardinhada dos Santos Populares, da jantarada em casa dos tios.

Hoje todos nos concentramos em combater a crise de saúde pública, em nos adaptarmos a este isolamento social em que caímos do dia para a noite e, em muitos casos, concentramo-nos no que faremos a seguir: o que será da senhora do café, do vizinho que tem a mercearia, do pequeno comércio para quem esta crise pode ser fatal. Enfim, começamos já a pensar em nos reerguer.
Os pacotes de estímulos que teremos pela frente, quer seja por iniciativa do Governo, autarquias ou instâncias europeias, nunca serão suficientes para isolar por completo os efeitos da paragem abrupta e severa da atividade económica. Temos demasiada incerteza, um desafio enorme, e um mundo a várias velocidades. Hoje a minha maior preocupação foca-se na manutenção dos rendimentos dos portugueses – só assim teremos uma recuperação rápida, mas inquietam-me os efeitos externos sobre o nosso país. Passarei a explicar.
Esta crise económica resultou de uma redução drástica do consumo a nível mundial. De um momento para o outro – em Portugal no espaço de uma a duas semanas – abandonámos os restaurantes, deixámos os hotéis, fugimos do comércio, evitámos os transportes. Reduzimos ao essencial o nosso padrão de consumo: água e luz, comunicações, alimentação. Esta redução do consumo foi uma das causas da quebra da produção nacional, a principal até, se ignorarmos a obrigatoriedade de paragem de produção por questões exclusivamente de saúde pública. Seja por uma ou outra razão, milhares de Portugueses foram forçados a deixar os seus empregos, passando a regimes de lay-off ou, em casos mais graves, a licenças sem vencimento ou até mesmo desemprego. Este grupo de três situações é o que gera maiores riscos para a recuperação económica nacional. No dia em que recuperarmos a nossa “liberdade” é fundamental que, com ela, possamos voltar aos restaurantes, aos hotéis, ao comércio e aos transportes que deixámos. É importante que voltemos a procurar pelos bens que consumíamos, que as pessoas voltem todas aos seus locais de trabalho e, assim, voltarmos ao ponto em que estávamos em Fevereiro.
Mas não será nem fácil nem rápido. Por um lado, muitas das empresas não conseguirão manter postos de trabalho, nem mesmo com os incentivos públicos. Por outro, nada nos garante que a “normalidade” venha sequer este Verão e que, sem ela, consigamos voltar ao padrão de consumo que tínhamos.
Mas as nossas empresas também não vivem fechadas nas centenárias fronteiras da nossa Nação. Vendem e compram ao estrangeiro. E se no caso da União Europeia temos um conjunto de medidas que, dentro de alguma liberdade nacional, tende a ser uniforme, e que porventura poderá salvaguardar rendimentos e consumo intra-comunitário, nada nos garante que outros países sigam um forte pacote de estímulos. Países como Brasil, Estados Unidos ou Reino Unido, com quem temos fortes relações comerciais, ao não conseguirem suster as suas economias colocam em causa também a recuperação da economia Portuguesa, por via do nosso sector exportador.
Hoje o futuro é mais incerto que nunca. Não sabemos quanto tempo o isolamento social durará, não sabemos quando poderemos voltar à normalidade que, hoje em dia, é bem representada por um simples abraço. E por tudo isto é sempre um risco qualquer medida de política económica, especialmente porque será aquém se a normalidade demorar mais tempo a vir.
Não poderia terminar sem uma nota final: se hoje, nos tempos de maior necessidade e emergência, estamos a confiar na segurança e qualidade do nosso Serviço Nacional de Saúde, então que não o desbaratemos quando voltarmos a não depender dele.
Dentro das quatro paredes a que estamos confinados, parece que os dias nunca mais passam e o momento de voltarmos à rua teima em não chegar. Mas mesmo quando voltarmos não será o fim da nossa luta, mas apenas uma nova fase. O desafio que vivemos requer a mobilização de todos. Os profissionais de saúde e todos os trabalhadores que mantêm o país em funcionamento - a quem devemos a nossa maior gratidão – já estão na linha da frente desta guerra. Seguem atrás deles todos os outros, nós que teremos de estar prontos para reerguer a economia, para voltar a produzir, a gerar riqueza. Se esta crise nos ensinou alguma coisa foi que a união da sociedade, mesmo em tempos de isolamento, é o que nos salva enquanto Nação.

Valentino Salgado Cunha
Professor de Economia no ISEG - Universidade de Lisboa
Assessor do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no XXI Governo Constitucional